Editorial

Dívidas de sobrevivência

Enquanto o País se divide entre vibrar com a Seleção na Copa do Mundo e bater boca por conta da torcida contra o craque Neymar ou pelos xingamentos direcionados a Gilberto Gil, os problemas reais da população, aqueles que por vezes parecem ter sido jogados para escanteio, continuam mais sérios do que nunca. E, tal qual uma bola chutada pelo zagueiro para a linha de fundo nem sempre é a melhor solução, eles permanecem rondando nossa área à espera de que a defesa os afaste de vez para longe.

Um dos maiores exemplos dos desafios que não sumiram só pelo fato de ter ocorrido uma eleição e do futebol tomar boa parte dos pensamentos nestas últimas semanas é a crise que tem feito milhões de brasileiros se endividarem cada vez mais. Pior que isso: tomar empréstimos com o objetivo não de empreender ou fazer uma obra na casa para ter mais conforto. Muito menos para a compra de uma TV nova para a Copa. As dívidas se acumulam para garantir o básico, que é comida na mesa.

Pesquisa recente realizada pelo instituto Plano CDE aponta que de 45% a 50% das pessoas nas classes C, D e E que fizeram ou pretendem fazer empréstimos sinalizam o pagamento de alimentação e das contas do mês como motivo. Ou seja, metade da população brasileira mais pobre sequer consegue ter o essencial sem precisar recorrer a uma injeção extra de recursos através de bancos ou financeiras. O que, sabem perfeitamente todos que precisaram alguma vez na vida pegar um financiamento, costuma ser um péssimo negócio para quem pede e ótimo para quem cede. Mesmo quando quitados rigorosamente em dia, no fim das contas o saldo é o pagamento de juros assustadores. Imagine, no entanto, a situação de alguém que já vive com recursos insuficientes para o dia a dia e que, ao fazer uma dívida para o básico, dificilmente conseguirá manter as parcelas dentro do orçamento mensal. A tendência é a imagem conhecida da bola de neve, que não para de crescer.

Esta visão, aliás, apesar de praticamente unânime entre economistas e estudiosos de questões sociais, não impediu que o governo permitisse a famílias beneficiadas pelo Auxílio Brasil obter empréstimos cuja quitação é descontada direto do repasse do programa social. Juros altos - em alguns casos, o valor final é quase o dobro do obtido pelo cidadão - que vão direto para o cofre dos já abastados bancos, recordistas em lucros ano após ano.

Enquanto o governo atual decidiu deixar de trabalhar antes do tempo e o próximo, ainda cheio de indefinições, não começa de vez, este e outros dramas sociais continuam. É a bola parada na bandeirinha do escanteio, perigosa, pronta para ser jogada na área. Quem vai tomar a frente para afastar? Quem é que sobe?​

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